Presidente vai ouvir os banqueiros esta segunda-feira. Vai dizer-lhes que não é altura para dividendos, mas se o repto não for acatado, o estado de emergência pode obrigá-los a guardar o dinheiro.
Marcelo Rebelo de Sousa vai reunir-se com os principais banqueiros, através de videoconferência, para perceber qual a perspetiva que têm quanto ao impacto e duração desta crise. O Presidente da República vai ouvir o que têm a dizer, mas também perceber o que estão a fazer para ajudar as famílias e empresas a superarem os efeitos económicos desta pandemia. E dar-lhes o recado de que esta é a altura de a banca retribuir ao país, não de distribuir lucros aos acionistas. Se não acatarem o repto, o Governo tem carta branca para suspender dividendos.
“Não distribuam dividendos, quer dizer, peguem nos lucros que iam dar aos acionistas, muitos deles são estrangeiros, e digam aos acionistas estrangeiros, aos americanos, aos chineses, aos espanhóis, aos angolanos e aos portugueses também: não há nada para ninguém em termos de lucros porque precisamos de pegar nesse dinheiro e investir na economia portuguesa“, atirou Marcelo Rebelo de Sousa. “Eu acho que isso, obviamente, é uma decisão muito sensata”, acrescentou.
O repto do Presidente vem no mesmo sentido do de outros políticos, da esquerda à direita, que defendem que a banca, mas também empresas de outros setores, não paguem dividendos. Rui Rio, presidente do PSD, e Catarina Martins, coordenadora do BE, foram dos mais enérgicos nesse alerta às grandes cotadas da bolsa como o BCP ou a EDP, mas a lei está do lado das empresas.
"Digam aos acionistas estrangeiros, aos americanos, aos chineses, aos espanhóis, aos angolanos e aos portugueses também: não há nada para ninguém em termos de lucros porque precisamos de pegar nesse dinheiro e investir na economia portuguesa.”
O Código das Sociedades Comerciais determina que o direito ao lucro é um direito essencial da participação do acionista. Também o Código de Valores Mobiliários estabelece que os dividendos, juros e outros rendimentos são direitos inerentes aos valores mobiliários, ou seja, às ações admitidas à negociação em mercado regulamentado.
A explicação é dada por Fernando Antas da Cunha, managing partner da Antas da Cunha ECIJA. “Nem as autoridades de regulação e supervisão têm, em situações normais, poderes para impedir o pagamento de dividendos aos acionistas”, diz. Mas esta não é uma situação normal. “Nos termos da Lei, a declaração de estado de emergência poderá determinar a suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias“, explica Antas da Cunha.
O Governo pode, legislando, alterar as regras aplicáveis à distribuição de rendimentos, incluindo, em teoria, a proibição suspensão temporárias do direito de distribuição de dividendos justificadas pelo estado de emergência.
Isabel Pinheiro Torres
Associada da Abreu Advogados
O decreto do Presidente da República que estabeleceu o estado de emergência a 18 de março não fazia referência à eventual suspensão da distribuição de dividendos. No entanto, a proposta de prolongamento estabelece a possível suspensão de certos direitos relativos à propriedade e iniciativa económica privada. “Pode ser reduzida ou diferida, sem penalização, a perceção de rendas, juros, dividendos e outros rendimentos prediais ou de capital”, lê-se no decreto publicado em Diário da República.
“O Governo, enquanto autoridade responsável pela execução do estado de emergência, recebeu, assim, uma prerrogativa com base na qual poderia ter determinado a redução ou o diferimento do pagamento de dividendos por parte das empresas”, explica o managing partner da Antas da Cunha ECIJA, acrescentando que o decreto do Conselho de Ministros não concretiza esta possibilidade.
“O Governo pode, legislando, alterar as regras aplicáveis à distribuição de rendimentos, incluindo, em teoria, a proibição suspensão temporárias do direito de distribuição de dividendos justificadas pelo estado de emergência“, concorda Isabel Pinheiro Torres, associada da Abreu Advogados.
Marta Graça Rodrigues, sócia da Garrigues em Portugal, sublinha que há ainda outra forma através da qual o Governo poderá travar a remunerações dos acionistas: fazendo depender algum apoio, como o lay-off, da não distribuição. “A legislação que estabelece o regime do lay-off no contexto da pandemia prevê a imediata cessação dos apoios previstos nesse regime, caso se verifique a distribuição de lucros durante a vigência das obrigações decorrentes da concessão do incentivo, sob qualquer forma”, aponta.
Além destas possibilidades através das quais o Governo pode mexer direta ou indiretamente nos dividendos, as autoridades de supervisão de entidades reguladas podem, no âmbito dos seus poderes de supervisão, também fazê-lo.
“Algumas sociedades cotadas, consoante a atividade desenvolvida, e dada a sua importância sistémica, têm regulados os requisitos de capital e fundos próprios, podendo estes implicar o afastamento estatutário da regra prevista no artigo 294º, do Código das Sociedades Comerciais [referente aos lucros do exercício], de maneira a assegurar plena discricionariedade quanto ao pagamento desses dividendos”, clarifica Isabel Pinheiro Torres.
Na prática, os supervisores podem obrigar as cotadas a não distribuir dividendos alterando os requisitos regulamentares. O Banco Central Europeu (BCE), o Banco de Portugal (BdP) e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) já fizeram recomendações, mas ninguém foi mais longe. O BCE deixou, no entanto, a porta aberta a passar a recomendação a obrigatoriedade.
Os membros do órgão de administração das sociedades encontram-se sujeitos a deveres fiduciários cujo cumprimento poderá aconselhar a que adotem uma posição conservadora nesta matéria, tendo em conta o atual contexto e os impactos previsíveis da pandemia global na situação financeira da sociedade, o que poderá passar pela apresentação de propostas no sentido de reduzir ou mesmo retirar propostas de distribuição de dividendos a submeter aos respetivos acionistas.
Marta Graça Rodrigues
Sócia da Garrigues em Portugal
Por último, os advogados lembram que — mesmo que não sejam obrigadas — as cotadas poderão, por iniciativa própria, adotar uma política de remuneração mais conservadora devido ao período de incerteza.
“Relativamente a dividendos cuja distribuição já tenha sido decidida, há uma previsão no Código das Sociedades Comerciais que determina que a administração não deva executar a distribuição caso entretanto tenham ocorrido alterações na situação patrimonial da sociedade que tornem os montantes em causa indistribuíveis, tendo em conta os limites aplicáveis à distribuição de bens a acionistas”, lembra Marta Graça Rodrigues.
A sócia da Garrigues em Portugal acrescenta ainda que os administradores estão sujeitos a “deveres fiduciários cujo cumprimento poderá aconselhar a que adotem uma posição conservadora nesta matéria, tendo em conta o atual contexto e os impactos previsíveis da pandemia global na situação financeira da sociedade, o que poderá passar pela apresentação de propostas no sentido de reduzir ou mesmo retirar propostas de distribuição de dividendos a submeter aos respetivos acionistas”.