Emanuel Félix Borges da Silva (Angra do Heroísmo, 24 de Outubro de 1936 — Angra do Heroísmo, 14 de Fevereiro de 2004), mais conhecido por Emanuel Félix, foi um poeta, professor, ensaísta e técnico de restauro artístico, que se afirmou como um dos mais notáveis poetas e escritores da segunda metade do século XX.

Biografia
Foi o primeiro introdutor em Portugal do concretismo poético, inspirado pelos brasileiros Augusto e Haroldo de Campos, porém cedo passou a uma experiência surrealista.[1]

Fundou e codirigiu a revista Gávea[2]. Foi codirector da revista Atlântida, do Instituto Açoriano de Cultura. Estudou em Angra, no Liceu e na Escola de Magistério Primário, onde se diplomou. Mais tarde estudou restauro de obras de arte no Instituto José de Figueiredo e na Fundação Calouste Gulbenkian e estudos superiores especializados em restauro científico de obras de arte no Instituto Francês de Restauro de Obras de Arte de Paris, na Escola Superior de Belas-Artes de Anderlecht e na Universidade Católica de Lovaina.

Escreveu a biografia de Marcolino Candeias na ocasião da publicação da 2ª edição revista do livro de poesia Na Distância deste Tempo[3], pelas edições Salamandra, 2002.

Obras
A fonte da saudade... (1954)
Sete poemas (1958)
Angra no último quartel do Século XVI (1970)
O Vendedor de bichos (1971)
A palavra, o açoite : poemas (1977)
Seis nomes de mulher: poemas (1985)

Para Joana

Filha,
na areia movediça das palavras, eu tenho procurado, juro,
as que nasçam só nossas,
certas, insubstituíveis, insubmissas.
Com ternura lhes toco e as levo ao coração,
frias ou gastas quase sempre, de outros usos.
Como se fossem algas,
escorrem por entre os dedos que as seguram.
Outras, agarro-as bem, tinjo-as de sangue. São
as que me comovem.
Com elas choro e sigo a sua frustração de c1aunes que tornaram
[ainda mais triste cada infância.

Mas, persigo-as, sim, quero-as ainda, as palavras
trabalho-as
com a aplicação do alquimista.
E do athanor saem só pequenos peixes de ouro
que nada têm a ver com o mar que separa o velho galeão,

que de gusanos
me construo
e o teu corpo de mulher que é preciso aceitar urgentemente.
Ou aceitar de outro modo:
como súbito se abrisse a porta da casa e lá fora estivesse caindo uma
[chuva quente que a todos nos molhasse
[de uma estranha doçura.

Ah, minha filha, com que rigor procuro
o sinal de sermos o que somos
neste rio sem margens
ou talvez nesta praia em cuja espuma quente
é possível molhar ritualmente os pés e as mãos e partir a [correr
nus
em direcções opostas
sem nada sugerir
a morte nem a vida
apesar de ambas estarem sempre para chegar.

Ah, o que tenho procurado, juro.
E que inútil junto às frondosas árvores dos símbolos
mais doces mais íntimos mais ternos cruéis acusadores.
Também a esses os levo à altura do peito e os encontro [escassos de forma.
Na bigorna não aguentam a violência apaixonada do ferreiro.

E, de novo, procuro entre nomes de flores cidades ou [estrelas
e nem sequer nos empedrados rostos das catedrais que eu [vi
encontrei nada que pudesse trazer para aqui
outras coisas que pudesse ir amontoando com o tempo
para ir compondo o poema, minha filha, que há dezasseis [anos ando para te escrever
mas que não fui capaz
porque escusado é dizer que é dentro de mim que habita [uma enorme rosa de fogo
que não se vê do lado das palavras ou das pedras.


Emanuel Félix, A Viagem Possível


O instante suspenso : poemas (1992)
A viagem possível : poesia :1965-1992:+ 1965- 1992 (1993)
Os trincos da memória (1994)
Iconografia e simbólica do Espírito Santo nos Açores (1996)
Habitação das chuvas (1997)
121 Poemas escolhidos, 1954-1997 (2003)

 

 

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