Segundo José Manuel Fernandes (2008a), a casa tradicional dos Açores resultou da adoção e adaptação de modelos trazidos da Europa para o meio insular, em especial, da Europa mediterrânica. As casas populares urbanas de Angra do Heroísmo inscrevem-se em duas tipologias: as casas térreas, de porta ladeada por uma janela de cada lado; as casas de dois ou três pisos, com as suas fachadas ritmadas por ‘vãos’ [janelas] e ‘cheios’ [paredes]. As primeiras aparecem mais na periferia da malha urbana; as outras, as chamadas ‘casas esguias’ ou ‘casas largas’ [consoante a largura da fachada], ladeiam as ruas do centro histórico, lembrando, muitas vezes, o perfil das artérias de cidades do Brasil, como Salvador da Baía (Fernandes, 2008b). O turista que percorre a Rua da Conceição, a Rua do Galo, as ruas perpendiculares à Rua de Sé, incluindo esta até à Rua de S. Pedro, depara-se com um conjunto de edifícios residenciais, por vezes, com estabelecimentos comerciais no piso térreo, que correspondem à típica casa burguesa que, da cidade do Porto à cidade do Recife, ficaram associadas, nos séculos XVIII e XIX, “às cidades comerciais e/ou portuárias de influência portuguesa” (Fernandes, 2008a, p. 94).
As casas construídas, empena a empena, formam um todo coerente, com abundância de vãos de verga curva, as tradicionais varandas corridas, por vezes com as típicas reixas e os não menos típicos aventais, sob as janelas, muitas delas de guilhotina (Fernandes, 2008b). Estas são características muito bem preservadas no centro histórico desta cidade Património Mundial da Unesco. Porém, a arquitetura popular ou vernácula de Angra inclui outra edificação muito típica e muito cara à alma açoriana: os Impérios do Espírito Santo.
Para alem dos templos católicos, é a ilha Terceira - e também Angra - famosa pelos seus pequenos edifícios dedicados a um antigo culto muito popular: o do ‘Divino Espírito Santo’, culto este talvez com origem remota nas práticas franciscanas que valorizavam a adoração autónoma das figuras da Trindade [...] dentro da liturgia da Igreja Católica. Na Terceira, o Império atinge uma uniformidade estrutural, como construção de alvenaria, difundida profusamente por toda a ilha. Este tipo de construção terá surgido nos finais do século XVIII (1795) - o Império de São Pedro - muito embora seja difícil datar os actualmente existentes, dado que as datas que neles figuram correspondem geralmente à data de reconstrução (Fernandes, 2008b, p. 84).
Semelhantes a pequenas ermidas, assumem características estéticas e artísticas sui generis, resultantes da inspiração popular. Destacam-se pela sua originalidade e, por vezes, por alguma exuberância decorativa e das cores com que são pintados. São pequenas edificações sobrelevadas, com acesso por escada e fachada de três vãos, num misto de sagrado e profano, que não obstante as reduzidas dimensões, se evidenciam no contexto edificado, demonstrando um notável sentido de monumentalidade. Apesar das semelhanças a nível estrutural, os Impérios acabam por ser todos distintos devido à sua decoração ou pintura. No período festivo, aqui se expõem os símbolos do Espírito Santo, como a Coroa para adoração dos fiéis (Duarte, 2008).
Em Angra do Heroísmo não podemos deixar de referir os Impérios do Outeiro e o de São Pedro, por serem os mais antigos, os Império dos Quatro Cantos e o da Caridade, pela sua originalidade e o Império da Rua Nova, por ter a despensa associada. Este Roteiro dos Impérios só fica completo se o viajante puder participar, dependendo da época do ano, nos festejos em honra do Divino, assistindo às Coroações; vendo passar o cortejo com as bandeiras e as coroas, degustando as sopas de carne e gozando os respetivos arraiais.
Na esteira da afirmação burguesa e da difusão de títulos e comendas, tão típica da segunda metade de oitocentos, João Jorge da Silveira e Paulo, que fez fortuna em S. Tomé e foi agraciado como Fidalgo-Cavaleiro da Casa Real, adquiriu o antigo Solar dos Noronha, junto à Igreja da Conceição e, depois de o demolir, construiu o elegante palacete, com mirante, ainda hoje conhecido como Palacete Silveira e Paulo. As obras tiveram início em 1900, mas em 1937, o edifício passou para a posse do Estado. Hoje, adaptado a serviços públicos regionais, não deixa de ser um atrativo da cidade, seguindo “uma linguagem arquitetónica eclética de prevalência classizante em que impera a simetria” (Raimundo, 2014, p. 245).
Descendo pela típica Rua do Galo, de que falaremos no Roteiro seguinte, o visitante chega à Praça Velha e subindo a Rua da Sé, numa das transversais à direita, encontra o Teatro Angrense. Este imóvel de interesse público, cuja inauguração decorreu em 1860, está integrado entre edifícios de habitação, dos quais se destaca pelas suas características e dimensão. A fachada é de linguagem neoclassizante e o tímpano que remata a secção central tem um relevo decorativo com as letras T.A. No interior, a sala tem forma de ferradura aberta para a zona do palco, cuja boca de cena é um grande arco abatido. Em redor, três níveis de camarotes emolduram a ampla plateia (Raimundo, 2014). O gosto pelo teatro, que se afirmou em Portugal no período do Romantismo [ainda que com tradições mais antigas], rapidamente se consolidou nas ilhas.
Se a arquitetura religiosa e civil pública adquire um importante significado e interesse para o turista que visita esta cidade, a arquitetura popular não se reveste de menor importância.