O segredo foi tão bem guardado que quando pelas 18:30 desse dia, 22 de Junho de 1896, vieram buscar os prisioneiros, o oficial de dia no Forte de Monsanto desconhecia o assunto e não tinha ainda recebido a necessária ordem para fazer a entrega. Só uma hora depois, quando o comandante do Forte chegou, foi possível iniciar a preparação dos presos.
Foram encontrar os prisioneiros já a descansar nas suas camas, quase despidos, sendo-lhes dada ordem para arrumarem a suas coisas e partirem imediatamente. Entraram em pânico, sobretudo Ngungunhane, que se convenceu que chegara, finalmente, o momento da sua execução. Recusou vestir-se, rolou pelo chão, fazendo o gesto de ser lhe cortada a cabeça. Perguntava, como à chegada a Lisboa: Vai morrer?. A muito custo, os guardas vestiram Ngungunhane com as roupas novas mandadas fazer para a viagem.
Entretanto, as dez mulheres pareciam enlouquecidas quando se dão conta que vão separá-las dos companheiros. Tal como o cozinheiro Gó, ficam no Forte de Monsanto, ainda sem destino definido. Era a separação definitiva, já que jamais veriam os seus maridos. Para elas e para Gó, a 6 de Julho veio a ordem de deportação para a ilha de São Tomé, onde a maioria viria a falecer na miséria. Algumas terão conseguido regressar a Moçambique, muito mais tarde. De Gó nada se sabe.
Apesar da tentativa de guardar segredo para que não se repetisse a agitação, quase distúrbios, verificada três meses antes, a imprensa conseguiu furar o sigilo, e cinco repórteres, pertencentes ao Diário de Notícias, Diário Ilustrado, Vanguarda, Popular e Século, estavam de plantão junto aos portões do forte, com outros colocados em locais estratégicos para o acompanhamento do transporte dos presos. À saída do forte Ngungunhane sentou-se no chão e foi transportado, a peso, pelos soldados da escolta até ao exterior.
O transporte para o navio é feito em duas caleches de praça, mandadas chamar para o efeito. As calças de brim de Ngungunhane eram tão apertadas que se romperam ao subir para o trem de praça. Zixaxa troça da triste figura do rei destronado. Desde Moçambique que ele e Ngungunhane lançavam um ao outro as culpas da rebelião nguni e nutriam um ódio recíproco que transparecia nas alturas de maior tensão.
Escoltadas por uma força de 11 soldados e dois cabos do Regimento de Cavalaria 4, comandada por um sargento, as caleches atravessaram a cidade sem dificuldade, já que a imprensa, apesar de conhecer desde a véspera a decisão, ainda não divulgara a partida.
Ao chegar ao Arsenal, esperavam-nos o Ministro da Marinha e Ultramar, Jacinto Cândido da Silva, jornalistas, cavalheiros e damas munidos de convites especiais. Godide, o preferido pela sua simpatia e capacidade de comunicação em português deu mais autógrafos, mostrando-se descontraído, com uma notável fleuma face à incerteza do destino que os esperava e às agruras do cativeiro.
Ngungunhane teve de ser novamente levado em braços para bordo do rebocador Voador que conduziu os prisioneiros à canhoneira, fundeada no meio do Tejo. Estava exausto e tinha perdido o último vestígio de dignidade, mas já havia desistido de implorar a audiência ao rei D. Carlos.
À chegada ao portaló foram todos revistados porque o comandante do navio temia que escondessem facas para se suicidarem. Depois, empurram-nos para o bico da proa da coberta de vante, onde ficam alojados.
Enquanto a imprensa mais liberal fustiga o governo pelo cúmulo da crueldade de separar os prisioneiros das mulheres e pela arbitrariedade do executivo em se recusar a deixar os presos serem julgados pelos tribunais competentes, os meios mais conservadores e nacionalistas rejubilam pelo fim do escândalo que constituía a pública poligamia dos africanos.
No dia seguinte, 23 de Junho de 1896, pelas 11:30, os presos são visitados a bordo do navio por Jacinto Cândido da Silva, o Ministro da Marinha e Ultramar. Ngungunhane, já mais calmo, fumava na coberta onde estava encerrado. Às 12:35 o navio larga em direcção aos Açores, com viagem directa à Terceira, talvez não por acaso, a ilha natal do Ministro. Depois de uma viagem calma, com o comandante do navio, o capitão-tenente Emídio Augusto Cáceres Fronteira, a demonstrar grande atenção e respeito pelos prisioneiros, chegaram à ilha Terceira, cinco dias depois, pelas 13:30 do dia 27 de Junho de 1896.
Depois de obtida a anuência do governador civil e do governador militar, pelas 15:00 e perante a curiosidade popular, que levara a uma grande aglomeração no Cais da Alfândega e na Rua Direita, os prisioneiros são desembarcados, com uma escolta de 18 marinheiros e um sargento, e instalados no Castelo de São João Baptista, na península do Monte Brasil da cidade de Angra do Heroísmo.
Dois séculos antes, outro soberano destronado, D. Afonso VI de Portugal, estivera também ali recluso durante cinco anos, entre 1669 e 1674. Naquele local Ngungunhane permaneceria pouco mais de dez anos, quase o mesmo tempo durante o qual fora imperador de Gaza.
Os anos finais (Junho de 1896 a Dezembro de 1906)
Desembarcados de surpresa na cidade de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, os prisioneiros foram alvo da curiosidade popular. O jornal A União do dia imediato descreve o desembarque:
- "O aspecto do Gungunhana e do Molungo era de profundo abatimento. Ainda assim, no cais, o ex-rei de Gaza teve um soberbo e altivo olhar para a multidão que se apinhava à sua passagem. [...] O grande e temível Gungunhana, caminhando na frente dos seus companheiros de infortúnio, descalço, com a fralda de fora, uma trouxa ao ombro, escorrendo em suor, feito um maltrapilhos, comoveu-nos profundamente. [...] Em pequenas trouxas traziam quanto lhes pertencia. Os seus trajes eram ordinaríssimos e mal se compreende a economia do Governo não lhes dando vestimentas decentes."
O tom da imprensa continuou o mesmo, com A União de 30 de junho a informar que os prisioneiros que "há dois dias pisaram a nossa formosa terra, que hoje lhe é terra de exílio, têm jus ao nosso respeito". O mesmo aconteceu na Fortaleza de São João Baptista, onde as ordens foram terminantes: os prisioneiros deviam ser tratados com todo o respeito, dando-se-lhe por homenagem entre as 8 da manhã e o sol-posto o recinto do Castelo.
Ao longo do tempo as restrições foram sendo levantadas e os prisioneiros foram-se integrando à vida local. Ngungunhane retirava-se para o Monte Brasil, onde caçava coelhos, passando a confeccionar pequenos cestos de palha, que vendia aos visitantes. Recebiam um pequeno pré diário de 60 réis e "rancho dos oficiais inferiores", sendo equiparados a "2.º sargentos adidos a Caçadores n.º 10", podendo circular com crescente liberdade.
O maior pesar era a ausência das esposas, tendo o governador intercedido, sem sucesso, para que, pelo menos uma, fosse autorizada a vir para a ilha. A moral portuguesa da época não se compadecia com a poligamia, e a solução oficial foi conduzir, todas as semanas, os prisioneiros a um bordel da cidade.
Com o passar do tempo, a aculturação começou a fazer-se sentir: as roupas passaram a ser as locais, a coroa de cera deu lugar a chapéus requintados e o uso de botas substituiu os pés descalços. Apenas Molungo manteve os seus hábitos.
Godide e Zixaxa aprenderam rapidamente a ler e escrever, no que foram seguidos por Ngungunhane. Com boa caligrafia, alguns dos seus escritos sobreviveram até aos nossos dias. Também a cristianização, que fora iniciada pelo médico Georges Liengme, um missionário evangélico suíço que vivera quatro anos em Manjacaze, foi prosseguida nos Açores. A 16 de abril de 1899, os prisioneiros foram baptizados na Sé Catedral pelo bispo de Angra, D. Francisco José Ribeiro de Vieira e Brito, e logo de seguida crismados, recebendo como padrinhos os principais notáveis da ilha. Os nomes de baptismo adotados foram Reinaldo Frederico Gungunhana, António da Silva Pratas Godide, Roberto Frederico Zichacha e Silva (de que foi padrinho de batismo José Pimentel Homem de Noronha)[3] e José Frederico Molungo (de que foi padrinho de batismo Francisco de Paula de Barcelos Machado de Bettencourt)[4].
A partir daí foi rápida a integração social, com os prisioneiros a serem considerados como pessoas de bem, sendo bem acolhidos e recebidos na cidade. Zixaxa e Godide, considerados belos e alegres rapazes, participavam em actividades sociais. Ngungunhane embriagava-se frequentemente, tendo sido por várias vezes detido por desacatos praticados em tal estado. Apenas Molungo se retraiu e evitou falar português. Zixaxa casou e teve um filho, também chamado Roberto Zixaxa, fundando uma família que ainda está presente na sociedade angrense.
Quando o rei D. Carlos I de Portugal visitou os Açores em 1901, Ngungunhane foi "levado a passear ao campo" durante a permanência do monarca na cidade de Angra. Evitou-se assim um encontro que seguramente teria sido desagradável a ambos.
Ngungunhane morreu a 23 de dezembro de 1906, vítima de hemorragia cerebral no Hospital Militar da Boa Nova, em Angra do Heroísmo, "baptizado, alfabetizado e alcoólico", como dele escreveria o historiador René Pélissier. Terá vivido cerca de 56 anos. Foi enterrado no cemitério da Conceição, numa das campas destinadas à sepultura da população católica local.
Os restantes prisioneiros faleceram também na ilha: Godide, aos 35 anos, em 1911, vítima de tuberculose; Molungo, para cima dos 80 anos de idade, em 1912; e finalmente, Zixaxa, feito guarda do Monte Brasil, em 1927, então já com família local.